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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A última tentação de Ulysses

Amanhã, se completam 20 anos do desaparecimento de Ulysses Guimarães nas águas azuis do mar de Angra dos Reis. Devemos muito do Brasil que temos hoje às suas virtudes e ao seu papel, não apenas no enfrentamento à ditadura militar e no restabelecimento da democracia no Brasil, mas, principalmente, na elaboração da “Constituição Cidadã”, de 1988. Ela é o principal artífice que vem permitindo o desenvolvimento contínuo do País em todos os campos, do econômico à inclusão social. De todos os personagens públicos brasileiros no último meio século, ele é o que mais fez pela construção da realidade de que desfrutamos hoje.

Ulysses não teve apenas o nome de herói grego, mas viveu uma trajetória à altura dos grandes mitos. A exemplo do personagem de Homero, teve uma vida de provações, enfrentou forças monstruosas e resistiu ao canto sedutor das sereias. Com ele, foram colocados à prova alguns dos princípios do ser humano. Honra, justiça, fidelidade, caráter, solidariedade, generosidade, desapego, entre outros, são valores provados e fortalecidos nas vivências de Ulysses Guimarães.

Como só ocorre com as grandes figuras mitológicas, Ulysses trilhou um caminho solitário. Embora sempre rodeado por bons companheiros – entre eles um de Joinville – e da onipresença de dona Mora que, a exemplo de Beatriz, foi sua companheira inclusive na senda da morte, Ulysses viveu a mais dramática das solidões: a de estar só entre as gentes. Por mais que partilhasse e acolhesse conselhos, suas decisões exigiam dele o sacrifício de se saber o único responsável.

A vaidade é o pecado preferido do diabo, põe a perder o homem comum e, em especial, é a perdição das figuras públicas. Mãe da ambição, da arrogância e das injustiças, leva-nos a trilhar caminhos atrozes para atingir o fim que lhe justifica. Justamente nesse ponto nevrálgico Ulysses enfrentou – e venceu – sua maior tentação. Durante os Anos de Chumbo, foi o quixotesco anticandidato no jogo perdido do Colégio Eleitoral que elegia os presidentes ditadores. Estabelecidas as condições para vencer nessa arena que tantas vezes o derrotou, abdicou da vitória em favor de Tancredo Neves; com a morte de Tancredo, a cadeira presidencial estava em suas mãos, bastava assumi-la, não o fez.

Restabelecido o voto direto, bebeu o cálice amargo do abandono, seus companheiros – salvo honrosas exceções – o trocaram por 30 moedas de poder. Deposto Collor de Mello, a faixa presidencial voltou a flertar com o velho guerreiro, no entanto, no dia da Padroeira de Aparecida e das crianças, ele foi ao encontro do seu destino no abismo de azul e sal. A glória do seu legado não é a resistência aos militares, mas as sucessivas renúncias à vaidade. Para ele, não havia outro poder senão o seu sonho de poder.

Joel Gehlen, jornalista


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