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quinta-feira, 5 de abril de 2012

Carta para Suzana

Querida Su, escrevo desde a outonal Joinville para desejar que retornes. Para contar que pessoas queridas velam pelo teu restabelecimento, para que estejas de volta com tua parcela de inteligência, afeição e ironia, que anima, alivia e ilumina a convivência de todos que a amamos tanto. Quero dizer que qualquer vida, por mais plena, é sempre infimamente menor do que a vida que desejaríamos ter. Vivemos todos em enorme defasagem diante dos nossos desejos. O corpo, minha amiga, diferente do que costumamos dizer, não é uma máquina perfeita, você bem o sabe, é frágil e inapto quando comparado à nossa dimensão intangível. É realmente desproporcional um conjunto tão fatigado de órgãos ser abrigo e agente de tudo que o cérebro é capaz de conceber e sentir.

Sei que dizer assim fica mais fácil quando se está com as fragilidades em ordem: mãos que pegam, pés que sustentam, pernas que levam, boca que diz e bebe e come. Mas todos os dias invade-me a horda errante e corrosiva da angústia, destruindo meu refúgio e incendiando os trigais da esperança. Horas há em que cambaleio e me abandono, e me desespero roído pela dúvida e emparedado pelas certezas. Então ouço meu pai, pela voz da irmã Neide, a dizer-me: onde você está não quer dizer nada, nunca esqueça de onde você veio, só assim vai perceber o seu trajeto e quão longe foi.

Querida Su, a voz sua nos diz na secretária eletrônica para deixar um recado, mas o gravador está cheio. Palavras próximas e distantes em mensagens apreensivas por ti, transbordando de afeto e carinho a casa vazia no terceiro andar da rua Oliveira Rocha. Posso ouvi-las ressoarem no apartamento repleto da sua presença nos muitos livros, discos e fotografias. As viagens, amigos e a carreira refletem-se nas paredes, em imagens e cores às quais a moldura da estima confere um aspecto de vaidosa saudade.

Tudo lhe aguarda a postos, para a rotina de um novo dia. Os pesados janelões querem se abrir para trazer a pedra do Cantagalo, do outro lado da Lagoa Rodrigo de Freitas, como se fosse o fundo do seu quintal. As plantas na varanda contam os minutos no relógio do sol, aflitas pela sua presença com água, carinho e cuidados. A noite cai e a brisa do mar lá do Leblon e Ipanema tangem dedos delicados com os tons mornos de um verão que reluta em dar passagem às aragens de abril. Do Corcovado, o Cristo espalma sua mão direita sobre nossas cabeças no Jardim Botânico, depois, cobre-se com um manto de névoa mística que o faz ascender ao céu como se cada dia fosse o terceiro da ressurreição.

Querida Su, na impossibilidade de margaridas silvestres, dedico-lhe a flor singela dessa escrita. O Ely, a Rose, a Wil, a Silvia, o Edson, a Albertina, o pessoal do festival e lá do Prinz aproveitam para também mandar lembranças e reforçar os votos que todos comungamos.



Joel Gehlen - publicado no jornal A Notícia no dia 04/04/2012

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