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quinta-feira, 27 de maio de 2010
Aqueles olhos negros
terça-feira, 25 de maio de 2010
Sentinela de maio
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Uma tarde, outro dia
Fomos à casa do poeta em Timbó, eu mais o Pita Camargo. Era um sábado à tarde e chovia. Fomos com aquele velho Toyota do Pita, que vive cheio de pedra para as suas esculturas. O poeta morava na última casa da rua, uma rua comprida que parecia sem fim, molhada de chuva. Sua casa, como em certo conto de Borges, ficava numa região fronteiriça entre o rural e o urbano. A realidade que marcou sua vida e obra estava ali. Foi uma surpresa, uma imagem inusitada, aquele pedaço rural sendo fagocitado pela urbanidade. Ali estava sua alma sonhando dentro daquele quadrado de arame farpado.
Era sábado e chovia muito. Chegamos logo depois do almoço. O poeta esperava no varandão, riscando o fósforo de seu sorriso como um personagem da literatura russa. Com uma última tragada dispensou o toco de cigarro de entre os dedos. Nos recebeu com a face luminosa e autêntica. Era cortês, sincero, afável como um camponês. A casa era simples, o avarandado rústico: uma rede, uma cadeira de balanço, um banco de madeira, outro banco, cadeiras, uma mesa pesadona, em torno da qual nos abancamos.
A tarde despejava chuva dos beirais, das ribeiras, embaciando o ritmo das horas. Eu, Pita e o poeta, na insularidade daquela varanda mergulhada em penumbra, atravessávamos o alpendre em busca do baú da memória. Erika havia preparado cuques de morango e banana, a mesa estava posta com café – café forte, café bom -, que tragávamos em halos vindos do profundo úbere do bule. O leite em porcelana mais fina que a chinesa, visto que era herança de família. Passamos a tarde entre livros, fotografias, cartas, recortes de jornais e quadros, muitos quadros nas paredes.
A certa altura a chuva parou. A varanda da casa dava para o paiol, um paiolão de duas abas, desses típicos das propriedades alemãs, todo de madeira, sem pintura, que adquiriu uma cor escura com o tempo e os maus tratos das intempéries. Havia lenha empilhada para o fogão, galinhas, um cachorro e uma vaca na estrebaria, creio que Mansinha era seu nome. Ele depositava com carinho a palma da mão sobre a testa grande do animal cujo leite acabara de nos alimentar.
Depois da chuva – e nada seria como dantes depois da chuva finda – atravessamos o curral, o potreiro, até a última cercania. Tudo era um convite para caminhar, a grama rente, encharcada da água da chuva, o mundo inteiro lavado, e a leveza da primeira brisa depois da chuva. Ele abriu o portão e nos conduziu como se penetrássemos no quintal da sua infância. Ali estava o homem em seus sessent’anos pastoreando as lembranças no pasto do menino. Debruçado à sombra sobre essa grama, leu os primeiros gibis, as histórias de Júlio Verne, esboçou no porão das emoções aqueles que viriam a germinar como os primeiros poemas.
As árvores eram as mesmas. À direita e ao fundo havia ruas, casas, a cidade ameaçadora. Mas do outro lado eram os caminhos rurais, um enxaimel centenário, os paióis, a paisagem inteira de sua meninice estava ali, velha amiga e confidente. Mais ao fundo, pontificando o horizonte, ele apontou o dedo para o Morro Azul. De repente estacou, reclinou um pouco a cabeça, encaixou o ouvido na direção do vento e recomendou:
– Ouçam, são jacupebas. Elas chegam aqui aos bandos – termina a frase num riso acanhado como em criança.
Era o mesmo canto desde a infância. E aqueles gritos com qualquer coisa de brejo e de aflito lavravam o estio, deixando a tarde ainda mais molhada. Chegamos até o meio do pasto, onde estavam as árvores maiores, as mesmas árvores sob as quais sentava para ler. Depois, fomos até o pé de fruta-do-ceilão, com a pá ele arrancou uma muda que agora medra no quintal aqui de casa. O esforço gotejava-lhe a testa de suores. O coração lhe recriminou e, entre sorridente e ofegante, ele atirou longe o toco do Derbby fumado ao meio.
O campônio e o poeta iam juntos, lado a lado num mesmo homem, lavrando os campos da memória enquanto conversávamos sobre as plantas, as aves do céu e a mata. Então, paramos para olhar, ao longe, sobre os telhados. Ah! Como são tristes esses telhados antigos após a chuva, com a cumeeira apontando nuvens e as duas-águas num caimento desolado, enegrecido pela pátina do tempo e de tanto aparar noites, dias, sóis, chuvas e luares.
Ao despedirmo-nos, o poeta veio até o portão onde se enroscavam trepadeiras no jirau. Ele explicou novamente o caminho de volta, apontando e repetindo os nomes das ruas que deviam ser seguidas. O sorriso, sempre aquele sorriso de um querer-bem infinito, afagando a despedida. A chuva parara completamente e a noite estava plácida, calma, estendida como a musculatura de um rosto enfim serenado, depois de muito chorar.
Joel Gehlen (publicado no livro Outono do meu tempo)
terça-feira, 18 de maio de 2010
Orlando Alves e as couves do quintal
Herdei a metade da biblioteca de Orlando Alves. Ele se foi num 11 de maio, exatamente no dia do meu aniversário, passamos a madrugada juntos na gare derradeira: ele partia, eu ruminava. Orlando Alves foi uma pessoa de incomparável erudição livresca que encontrei nessa Joinville em 1994 quando vim de Londrina para fundar o caderno Anexo. Ao formarmos o time de cronistas foi um dos convidados. Ao lado de José Silveira e Lelito Nóbrega, formavam um triunviratum da palavra, da escrita, da leitura e da conversa, os três à época adentrados nos umbrais septuagenários dessa vida; os três, hoje, já selecionados pelos mistérios da ausência derradeira.
Filho de Joinville, Orlando fora um pioneiro e bem sucedido homem de comunicação no Rio de Janeiro e
Era uma estranha e perfeita simetria de pomerano e luso, conjugando um coração farto e sentimental com rígidos quereres. Um homem simples e complexo. Cultivava as próprias couves e ligava lá no jornal: “ô, Joel, venha com a Wilka comer um caldo verde preparado com as couves do meu quintal”. E punha um sabor, uma alegria, uma incontida felicidade ao depor estas palavras sumarentas. Íamos. Também o Melatti, o Ruiz e o Karl. Frio de maio, vinho de colônia e couves do quintal. E, claro, livros, livros e livros, os mesmos que me olham agora numa orfandade que a minha mão afaga mas não mitiga.
Joel Gehlen
terça-feira, 11 de maio de 2010
Felicitações de maio
Joel Gehlen
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Carta para Kenzo
sábado, 1 de maio de 2010
Casa de Água

A partir de sua estréia A Ilha dos pássaros ao sol, em 1981, Karl se consolidou como um dos mais produtivos e premiados poetas de Santa Catarina, tendo 12 obras publicadas e quatro dos principais prêmios da poesia brasileira: Concurso Nacional Helena Colody (1990), Prêmio Nacional Cruz e Sousa (1996-97), Prêmio Emílio Moura (1992) e Prêmio da Biblioteca Nacional (2001).
Fernando José Karl é um dos poetas que melhor traduzem esta geração-ponte que têm os pés fincados no século que se foi e referendam este ainda pleno-mistério século da “modernidade líquida”. Sua poesia verte-se na polifonia que o caracteriza e constrói imponderáveis desvãos povoados de solidão e mistério; sítios erigidos em ruína, rumores e ruminações.
Quanto: R$ 20,00
Onde: Editora Letradágua