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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Lançamento livro "Chuva sobre Sarajevo"

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Estão todos convidados! 

Sétimo livro de Joel Gehlen, "Chuva sobre Sarajevo" foi contemplado pelo SIMDEC, trata-se de um livro de crônicas, algumas publicadas nos jornais A Notícia e Notícias do Dia e outras inéditas.

Dia 28 de fevereiro, às 20:00 horas, no Capitão Space em Joinville. O Capitão Space fica llocalizado na Rua Max Colin, esquina com Marquês de Olinda. Ganhe uma Heineken na compra de um livro.



sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

À minha próxima namorada


Haverá entre nós uma atração, de certo que sim. Mas devo avisar que as paixões arrebatadoras me parecem mais com peça de museu do que com nova experiência. Aprendi a amar um amor tranqüilo, que gosta e repousa, sem a sofreguidão dos amores juvenis. Mas tenho cá dentro, uma chamazinha marota capaz de aquecer uma noite inteira e anos a fio. Não, minha amada, não sou mais da noite. Deixei de perseguir a lua porque descobri a beleza das manhãs e da promessa de um novo dia inteiro.
Quando depois do gozo, eu fechar os olhos não é para sonhar com o futuro, mas para repousar no presente que me embala. Não lhe amarei com desespero, nem meu prazer será medido em quantidade, mas conheço atalhos de sedução que você mal poderá acreditar.
Quero sua companhia. Quero preparar e tomar ao seu lado um bom café com frutas, uma bandeja e à brisa de manhãs outonais. Sim, meu anjo, o outono ficou mais interessante do que o verão nos últimos anos.
A música, companheira infinita, que eu já usei para diversão, ouço agora com sentimento. E quando andarmos na rua, meu bem, não me extasiarei mais com carros ou motos do que com uns móveis ou com o sapato infantil que um dia calçará nosso filho.
Se quiser me acompanhar, você terá que me ouvir falar de meu time de futebol, que é paixão anterior a você, mas sempre que eu precisar escolher, a bola estará em seus pés.
Meu ciúme é sim fruto da insegurança, mas minha insegurança não nasce da baixa auto-estima, ela nasce do desejo de não lhe perder, porque você há de me fazer bem.
Todos os meus defeitos estão mais visíveis, minhas qualidades também. Minha fidelidade a você será antes de tudo, fidelidade aos meus sentimentos. Por isso, traição pode ser algo distante de nós dois, mas quero que você me conquiste diariamente, surpreenda-me, desperte-me, seduza-me.
Quero que você cuide de seu corpo sem obsessão, mas que cuide de seu corpo. E do meu. Escolha minhas roupas e os programas, mas permita-me não perder a individualidade. Não fume se possível, beba mais um gole se possível. Arrume nossa casa, invista em sua carreira profissional, mas não se entregue demais ao trabalho.
Não caia aos meus pés, mas não oculte sua dependência de mim. Dê-me e peça-me colo. Saiba dizer não, mas não deixe de dizer sim... Ou talvez, que um bom talvez traz mistério e incita desejos. Incite desejos, realize os meus.
Por fim, namore-me pra lá das alianças, até o fim.

Jura Arruda - escritor

sábado, 24 de novembro de 2012

De Crianças e Flores

Queria falar de flores, mas essas crianças palestinas não me deixam. Preparei o lápis mais macio e escolhi folhas muito alvas para merecer os floreios verbais que excedem em cores, forma e fantasia nesse quase verão. Nos últimos dias tivemos três estações, mas ainda é primavera, disse-me o lápis. “Acabo de assistir à terceira chuva e ainda não veio o segundo sol.” Fiquei com a frase entre os dentes. A Primavera Árabe em adiantado estado de decomposição, os cadáveres flutuam sobre um rio de gente e urros, uma dançante morbidade que os homens festejam e as mulheres choram. Os enterros parecem feriados nacionais, aqueles tiros para o alto, punhos levantados e a mesma frase: Alah é grande!

A manhã está calma, só as cigarras longe dos olhos, britam o desespero das horas na moenda da garganta. O dia promete ser quente, o sol reina, há azul por sobre as cabeças. Mas uma nuvem ronda o papel. No alpendre, pássaros raros, belos e canores alimentam seus filhotes. Em um único galho de jacatirão conto 473 botões, quantos serão em toda a floresta? Gastei alguns momentos a contemplá-los. Primeiro, abre uma flor solitária, depois as outras vão armando um rendado verde e rosa feito a ala das baianas da Mangueira. Verde e rubro, como a bandeira palestina, o lápis escreve sem pôr um ponto final à frase. Uma nação resumida a um pedaço de pano, ira e dor. Sua história é como um livro de perdas, mas a maior riqueza nacional palestina é a esperança. As jovens mães em Gaza e Cisjordânia aleitam seus filhos com o peito farto de angústia e uma fé a que se aferram: não alimentam comerciantes ou pastores, mas futuros mártires.

O novo livro de Wilson Gelbcke chega hoje à Livraria Midas, com histórias de flores, amizades e bicicletas. Casos ocorridos em Joinville, reunindo jovens e velhos, homens e mulheres em torno de existências longevas e tranquilas, a felicidade que se derrama por já não caber em si, como o caldo de açúcar queimado sobre um pudim de leite. Os melhores pudins da minha vida foram feitos pela minha sogra, Dona Dalva. Antes que o câncer a definhasse, passou uma última primavera diante desses mesmos jacatirões e levou um ramalhete deles quando fechou os olhos. As esplêndidas flores de antanho desabrocham toda manhã no jardim do coração, mesmo nas viúvas de Gaza.

Para finalizar esta crônica, já tinha escrito que a Palestina é uma causa perdida. Então uma aracuan, um pássaro grande, com 50 centímetros da cauda ao bico e o peito rajado em cinza como o turbante de Arafat, deixou a banana que lhe oferto na varanda, voou pela janela e pousou sobre o monitor do computador em que escrevo. Uma ousadia sem susto, sem medo, sem agressividade no olhar, a me dizer pela voz dos símbolos que a convivência é uma flor a ser regada, todos os dias, em qualquer estação.

Joel Gehlen - jornalista e escritor

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O livro das felicidades

As estradas rurais da minha infância, de terra vermelha e barrancos elevados, eram espaços mágicos. Gastava horas inteiras sentado sobre a velha porteira, o olhar cheio de espanto para o caminho que surgia depois da primeira curva. Uns urubus voando no céu enquanto pombos e maritacas vindos do potreiro punham-se no sem fim da mata. Dela poderiam surgir preás, nhambus, lagartos e cobras. Até algum esquivo macaco nas copadas da ribeira. Distrações passageiras, o infante querer dedicava-se inteiro ao que pudesse surgir do além da curva da estrada.

Nesse cineteatro desenrolavam-se dramas e aventuras que o coração conviveu palpitante e que a memória juntou como um maço de gravetos sem saber bem onde guardar. A sonoplastia feita de pássaros próximos, mugidos ao longe e um cão que late incerto, quiçá do outro lado do mato onde o ouvido alcança os dedos da imaginação. A figuração do vento está por todos os lados, campeia no chão, bole nas árvores e varre no céu distinto engalanado de azul. Há um zunzum de moscas e abelhas que nunca soube se estavam no roteiro ou foi um furo da produção. Pairando sobre tudo, age um silêncio, uma lentidão, uma densa expectativa que faz o espetáculo começar.

Galos! Infames, galos. Quase põem tudo a perder, que gargantas mais renitentes, alguém pode cala-los? Melhor dar-lhes um papel. Ébrios da madrugada, alongam a garganta intumescida de sol como se lhes dependesse do canto a sustentação do próprio dia. Tem ainda a tristeza desses sabiás, mais afinados, é claro, mas igualmente incontidos, desde que furam com o bico a primeira réstia de luz na barra do horizonte até que se finam crepusculares, num voo rasteiro por baixo da saia dos laranjais.

E quando a primeira cena enfim vai começar, um tapa estala fazendo eco na mataria, três ou quatro muriçocas esmagadas debaixo da palma da mão fazem brotar pontinhos de sangue e coceira na barriga da perna desprotegida pela calça curta. As mãos ágeis evitam outras picadas, mas, inebriado no êxtase da primeira aparição, abandona sua carne ao banquete dos insetos.

O ouvido do lado que o vento sobra denuncia o ronco de um motor. Instala-se a primeira angústia: aproxima-se ou se distancia? É como um rádio mal sintonizado, ora claro, ora longe. Agora é nítido, cada vez mais perto, capta o radar cardíaco. O que será? De onde vem, para onde vai? Leva um doente? Uma criança com pneumonia? Os instantes que antecedem a curva da estrada são intensos e demorados. Quando enfim surge em cena aberta, corta a tela numa diagonal flamejante um fusquinha 68, azul celeste levantando uma nuvem de poeira que o faz sumir tão logo aparece. Lentamente o pó vai assentar-se nas folhas da encosta, umedece no suor que poreja o rosto do menino e amarra um gosto de terra na garganta aberta de espanto.


Joel Gehlen - escritor
letradagua@gmail.com

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