Recent Posts

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Outras notícias de Primavera

Noites. Cheia de mistério e encantamento a rara lua azul, no último ciclo de agosto, depositou um beijo demorado na face da noite. Louça frágil, moça ousada, boiando na retina incandescente da Babitonga seu lírico cristal de espanto. Para além da beleza ou poesia desse instante, o ovário-firmamento de um Deus oculto insinua insondáveis imensidões em que se misturam noite e leite. Não há rastro nem pressa em seu caminho. O mesmo vazio a precede, evolve-lhe as ancas túmidas e a sucede. Um nada único e absoluto.

Cansado de interrogar o céu sem obter resposta, o homem que olha a lua azul do último agosto gasta os braços envolvendo um demorado abraço sobre seus dois pulmões oprimidos dentro do peito. O coração em pororoca desemboca um preamar sanguíneo dentro das veias, dilata-se atiçado como se houvesse decidido expandir-se até plasmar-se à branca nua que atravessa a testa do horizonte sem nuvens que lhe ponham um véu de tule sobre as espáduas torneadas. No lajedo, lagartas e mandorovás arrastam-se açoitados pela luz noturna e corrosiva, abandonam as folhas carcomidas das couves, dos tomateiros, e fogem para os breus dos vãos, enclausurando-se à quietude acuada dos casulos.

Tardes pairam sobre a tarde que cai e uma névoa camufla de giz sobre as cabeças. Suas gotículas umedecem a roupa no varal e se liquefazem arriba dos telhados fazendo os beirais deitarem grandes lágrimas frias na paisagem. Plúmbeas horas sem nome, que o relógio não dá conta de marcar, tocam-nos o obro como se fora o primeiro degelo de Primavera nesse frágil setembro sem plumagem.

Folhas ressequidas à soleira brotam um desconsolado adeus no crepúsculo do Inverno. Varridas pelo vento, riscam na pedra chã o coro lamentoso do corvo: “Nunca mais, nunca mais...”. E o eco que carrega com a palavra “mais” se degrada no ar enchendo os olhos de ais até que se deponham no roxo cardinalício dos ipês floridos em pencas, no bordejo de um luto sem pesar. Em estado de total quietude, o casulo falseia a morte. Então, desavisada, sem outro mote que a seda fina do mistério, avulta a asa ainda inerte vazada em vívidas cores na pela opaca da tarde cinza cintilante. O lento despertar da primeira borboleta de setembro ativa o coração da primavera, seu voo inaugural é irregular e claudicante, eleva-se ao sabor do vento, para além de onde a vista testemunha o milagre de arribar-se.

A manhã chega na arrebentação das orquídeas chuva de ouro, bem antes do Sol nascer, e se alastra nos ipês amarelos incrustando seu fulgor bíblico pelos caminhos da terra.


Joel Gehlen - escritor

0 comentários:

Postar um comentário

Compartilhe