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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mostra de Teatro de Joinville: Um Nelson Rodrigues para rir e pensar

  A vida como ela é consegue tornar cerebral Nelson Rodrigues, que é todo carne e vertigem. O espetáculo que abriu a Mostra de Teatro de Joinville, dia 11, é muito divertido e traz ingredientes que superam as tradicionais leituras dos escritos produzidos para jornal pelo autor carioca. Nunes concebeu um espetáculo com uma série de anteparos aos apelos fáceis com que a obra de Nelson normalmente é retratada. Embora estejam lá os personagens canastrões, as mulheres recalcadas, as virgens dramáticas, os vestidos de bolinha, os cafajestes típicos, as notícias do cotidiano, as frases de efeito, as ciladas matrimoniais, há também um arcabouço dramatúrgico que conduz o público para além da simples – e boa – gargalhada.
                O espetáculo é inteiramente construído numa linguagem de rádio novela. Ele se conta em vozes que narram e interpretam. Os atores que falam apenas emprestam sua voz, como no rádio, e aqueles que se investem de personagens muitas vezes atuam apenas com pantomimas. É um recurso interessantíssimo que distancia o personagem do ator, evitando que se caia nos conhecidos chavões. E quando isso ocorre, são momentos claramente caricatos. Por vezes, os personagens sequer agem por si, comportando-se como se fossem bonecos conduzidos por outro autor. O uso de máscaras não lhes permite sequer a expressão do próprio rosto, levando o ator a um estado de boneco, inexpressivo e manipulável, uma marionete de pano. É uma reflexão sobre os bastidores da dramaturgia.
                Outra solução magistral do espetáculo é a música. Aliás, uma aula de sonoplastia. Em vez de fazer fundo ou cortina para as cenas, a música dialoga com as falas e, muitas vezes, conclui um pensamento. Com escolhas de uma absoluta felicidade, a trilha costura, preenche, complementa e completa as cinco narrativas de que se compõe o espetáculo. Também perfeitamente ritmado é o tempo dos atores, suas falas, movimentos e silêncios são dignos de música. O que denota uma lufada de modernidade e leveza ao tema.
                Dando um fecho nesse diálogo entre passado e contemporaneidade, o cenário se utiliza da linguagem de HQs. Ao mesmo tempo em que faz um fundo estático com recortes de jornal, funciona como quadrinhos em que o diretor, a exemplo da música, constrói desfechos, últimas cenas, imagens derradeiras. Um recurso simples e altamente funcional, amarrando literatura com folhetim, teatro e cinema. Em resumo, é um Nelson Rodrigues prazeroso e inteligente, levado a cabo por um naipe de atores de elevadíssima qualidade.

Joel Gehlen
Editor e crítico de teatro

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