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terça-feira, 15 de junho de 2010

Uma rosa para setembro

Cara leitora, próxima ou distante, estou soterrado no tempo, mas, esta manhã, explodiu uma rosa em meu jardim. Uma rosa rosa, rasa, simples, como sói acontecer às rosas. Bem em frente à janela de trabalho, ela sopra seus alísios que imagino perfumados. Já que as rosas não fabricam cheiro, ela sobra no êxtase puro de ser simplesmente, bastada naquilo que a fere de vital beleza: sua efemeridade. Enfim, querida leitora, essa rosa trouxe saudades, e te escrevo para dar a grave notícia deste florescer rompendo o peito do inverno que ainda nos encobre com seu metal distante, embora setembro seja o nosso ninho.
Olha, é quase manhã, e essa rosa enorme, maior que meu planeta, incendeia o jardim com sua solidão acompanhada de outros três botões de rosa, promessa tênue de um dia sermos um quarteto, estourando em profusão sua antiga cor. Uma rosa solitária na matéria fria da manhã rompe o casco deste dia modorrento. Uma rosa e três botões, mais nada.
Esse silêncio todo me deixa intrigado. Depois, passa a ser incômodo, até desesperador. Sei, sou eu quem o engendra com meu silêncio ainda maior. Todas as desculpas do mundo – inclusive dizer que estou até estas horas trabalhando em frente ao computador – podem justificá-lo, mas como dói. Não estou escrevendo para justificar. Só queria dizer que, a nosso modo, morremos todos a morte horrível daqueles marinheiros russos nos mares gélidos da solidão. Quem de nós tomará a iniciativa de acionar os escafandristas noruegueses?
No entanto estamos aí, escoando fininho feito areia pelos vãos dos dedos, nos escombros do tempo. Foi então que, já com a manhã soprando sua luz difusa, dei comigo de te escrever, assim sem assunto, sem perguntar nada, sem ter resposta alguma, sem vontade de dizer do frio ou do calor dessas plagas, sem sucesso ou infortúnio para anunciar. Escrever apenas para dizer que estou aqui, sempre o mesmo, atolado nas mesmas amarguras. Escrever, enfim, porque estava com saudades de um universo compartilhado, insubstituível, de um universo com seres humanos generosíssimos, tão necessários e que, às vezes, parecem não existir.
No último instante, à maior claridade, pude divisar entre as ruínas do breu essa rosa pálida, irmã afetuosa que amanhã enfeitará nosso fim. Nesse momento estou a arrebatá-la com os olhos para você, bela e frágil rosa de todos os tempos, cravada no peito do inverno, em completa quietude.
Joel Gehlen

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