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terça-feira, 8 de junho de 2010

Noturno em silêncio maior

Wilson Bueno é o magnífico prosador, o melhor dentre os melhores. Agora, todos saberemos que assim o fora, pois a morte destina a tudo. Mas não venho falar da sua obra, que essa fica, permanece, suplanta o homem e o monumenta. Os livros estão aí, ao alcance dos dedos dos olhos do coração. Quem ainda não viu, que agarre agora e repare. O ausentado é o amigo – o amigo bueno – o ser de imensa ternura e permanente afeto, delicado e comedido, reconhecendo sempre a iminência dos acontecimentos maiores, polido e gentil. Afeiçoamos-nos em anos de crônicas, romances e poemas. Sempre o ofício de escrever, espinhento ofício em sobrevidas, sobressaltando as inumeráveis lidas.
E de repente a noite abriu sua boca sobre nossas cabeças. Uma noite úmida, viscosa e longe de casa. Uma noite dolorida, feita da sua ausência, da sua perda, da sua partida. Exatamente às cinco de la tarde, como naquele poema do Lorca, em frente à igreja da Ordem Terceira do Rosário a noite se fez da insofismável substância da sua ausência. O vento vindo do Leste açoita um borrifo úmido que não era chuva, mas a suspensão dos olhos a te velar. Não vi a máscara de cera em que te recolhestes definitivamente cerrado, olhei a rua abaixo com suas luzes tímidas num bruxuleio de ficção. O Largo acima com seu cavalo d’água, centenários pinheiros ao fundo, o espaço deserto do campanário onde nenhum dobre vinha anunciar sua partida. Incréu cenário de vigília e ausência. A noite cachorra, de uivos fundos e funesto silêncio, pousou sua mão sobre a nuca da cidade, num conduzir de conciliação e degredo.
Querido Wilson, tardiamente trago essa notícia de que esses têm sido tempos ruins, por não caber neles espaços para os que queremos bem, por não caber neles ocasionalidades, um bem-querer sem-cerimônias, um afeto que se nutre de afetos. E esse tempo doente em que nos consumimos todos, quanto mais passa menos ultrapassa, se acumula tentacular como a metástase devastadora que nos impede gestos essenciais, como um simples contato por telefone, um correio eletrônico ou a postagem de umas linhas no papel, à moda antiga. Qualquer gesto nos salvaria do mal desse mau tempo, mas estamos cada vez mais tomados por seu fel. Então a indesejada das notícias chega, uma lâmina inapelável e breve e nada mais há para se fazer senão dar a cara ao vento Leste, úmido, frio e noturno.
Fora isso, só o reticente silêncio. Mesmo na ausência, o coração sempre latindo, Buenamente!
Publicado dia 07/06/2010, no jornal Notícias do Dia, por Joel Gehlen.

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