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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Silêncio

O pré-requisito para ser cronista é ter opinião sobre tudo, e isto inclui coisas sobre as quais você não tem opinião nenhuma. Se de tudo que há no mundo, a maioria desconheço; e do pouco que sei, a maioria desconheço a essência, há semanas em que escrever se torna quase um martírio. Há semanas em que o cronista sente-se melindrado por ter opiniões próprias, e que por serem próprias podem ir contra a maioria. Em tempos de democracia, ser minoria é um erro.
Crônicas não têm propósitos científicos, são opiniões pessoais, muitas vezes pessoais demais. E toda exposição é arriscada. Nos dias de hoje o risco está além do pensamento, na palavra. Expressões outrora banais são agora politicamente incorretas e podem colocar em quem as profere rótulos. Mas já que estou aqui e você está aí querendo saber a opinião do cronista, creio que tenho a obrigação de ir adiante. E vou.
Esta semana, em uma mesma sessão da Assembléia Legislativa, votava-se a favor de uma lei para proibir as pulseirinhas do sexo, aquelas coloridas que contêm códigos criativos e um tanto explícitos sobre o tema. Na mesma sessão, minutos depois, um deputado retirava de seu discurso a expressão “Samba do Crioulo Doido”, imortalizada em 1968 pelo cronista Sérgio Porto, mais conhecido por Stanislaw Ponte Preta. Seu samba satiriza as mazelas dos compositores de escolas de samba que tentavam retratar a história do Brasil.
O que uma coisa tem a ver com outra: as pulseiras, deputados, não são as culpadas! Vocês estão mascarando a realidade e fazendo performance para a mídia. O problema é mais profundo e tem a ver com a educação de nossas crianças, com o acesso à informação no tempo errado. “Isso é conversa de adulto”, que tantas vezes ouvi de meus pais, sumiu da boca dos pais de hoje. Está-se querendo punir pulseiras! Esta lei mal poderá ser cumprida. Ou vão colocar policiais algemando crianças que as usarem? As soluções imediatistas não são mais do que soluções paliativas. Neste caso, nem solução me parece.
E o crioulo, o que tem a ver com isso? Bem, o crioulo faz parte desse grande balaio de gato que se tornou a ética e a moral de nosso tempo, por que, ao mesmo tempo que se trava uma luta infame contra pulseiras coloridas, proíbe-se o uso de expressões inócuas até então. Nem tudo que sai da boca reflete o caráter de quem pronuncia, nem tudo no mundo é resolvido com lei. E eu só queria me manter em silêncio desta vez.
Jura Arruda
Publicado dia 17/04/2010 no Jornal Notícias do Dia
Radicado em Joinville desde 1984, escreveu para teatro e vídeo, participou de publicações literárias e é autor do livro infantil Fritz, um sapo nas terras do príncipe (Editora Letradágua). Atualmente é cronista do Jornal Notícias do Dia.




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