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terça-feira, 22 de junho de 2010

Pra pedir perdão

Na noite passada não vi a lua. Era um sorriso de orelha a orelha rasgado no céu, ouvi dizer. Um sorriso de prata definitivamente perdido no firmamento, pois a lua é de quem vê e não a vi. Ficou para sempre esquecida dos meus olhos a emoção que viria com a sua mirada, as lembranças boas – pois a lua é o lugar de memoráveis momentos – tê-la visto seria um instante de paz num mundo de guerra. E, como diria Lupcínio, não vá pensar o leitor que a guerra de que estou falando é aquela feita por tanques e canhões. Mas da artilharia de mesquinharia em que nos engalfinhamos todos os dias. O fato é que somos mesquinhos porque somos egoístas por natureza. Farinha pouca, meu pirão primeiro, diz o dito. E vivemos um tempo de absoluta carência das farinhas da convivência.
Faltam nas prateleiras a farinha da gratidão, da generosidade, do bom senso, da humildade, do perdão. Assim, ligamos o carro e saímos xingando, porque estamos atrasados e o trânsito não anda. Há um homem taciturno e não lhe oferecemos a côdea de compreensão, mas o amargo de uma palavra mal cuspida – traste! O moço que faz malabarismo na esquina poderia ser um instante de graça e distender os músculos da face dos que passamos. Caso atiremos um níquel, ele agradece; mas se o chapéu volta vazio, não pragueja nem desiste, faz mesuras e insiste, engole fogo e arrota esperança. O sinal se abre e arrancamos aliviados sem notar-lhe as necessidades e desejos. Terá fome? Terá filhos que não têm leite? Fuma crack? Toma pinga? Sonha ser artista? Tem para onde voltar depois da esquina? Não há tempo para saber, estamos em guerra, contra o trânsito, contra o ambiente no trabalho, contra o concorrente, contra as contas a pagar.
Tento dizer que não vemos as pessoas como seres humanos, e da mesma forma não somos vistos por elas, assim, construímos um mundo cada vez mais intolerante e nos fazemos explosivos a troco de nada. E nos viciamos em nós mesmos, necessitando doses cada vez maiores de cinismo, com beijos e abraços cheios de calor e falsidade, e nos tornamos cada vez mais desconfiados, solitários, tristes, vazios e incapazes de dar o primeiro passo. E nos tornamos irreconhecíveis. A vida não é só isso pelo que se briga, mas também aquilo que se nos oferece desinteressadamente e que estamos perdendo a capacidade de perceber. Como ver uma fase da lua, uma face da rua, uma frase do sol derramando seu ouro nos contornos oblíquos do outono que se despede, porque tudo se despede para nunca mais, inclusive os sonhos e a pelo que nos encerra. Não, caro leitor, não escrevo para acusar, mas para reconhecer: tristemente me confesso cada vez mais imerso nesse ser que repudio.
Joel Gehlen
Publicado dia 21/06/2010 no Jornal Notícias do Dia

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