Recent Posts

terça-feira, 18 de maio de 2010

Orlando Alves e as couves do quintal

Herdei a metade da biblioteca de Orlando Alves. Ele se foi num 11 de maio, exatamente no dia do meu aniversário, passamos a madrugada juntos na gare derradeira: ele partia, eu ruminava. Orlando Alves foi uma pessoa de incomparável erudição livresca que encontrei nessa Joinville em 1994 quando vim de Londrina para fundar o caderno Anexo. Ao formarmos o time de cronistas foi um dos convidados. Ao lado de José Silveira e Lelito Nóbrega, formavam um triunviratum da palavra, da escrita, da leitura e da conversa, os três à época adentrados nos umbrais septuagenários dessa vida; os três, hoje, já selecionados pelos mistérios da ausência derradeira.

Filho de Joinville, Orlando fora um pioneiro e bem sucedido homem de comunicação no Rio de Janeiro e em São Paulo, depois voltou para olhar a chuva e se aquecer ao sol na terra de seus “opapas”, ao lado de sua mais que amada Izolde. Aqui queimou a derradeira luz dos olhos, lenta e amorosamente, em intermináveis deambulares por estas páginas que agora espreitam-se da e minha estante. São livros de história, sociologia, filosofia romance e poesia. Há portentosos títulos como as mil páginas do “Guia da Música Sinfônica”, uma de suas paixões; os muitos tomos sobre história romana e da Segunda Guerra. Para além das milhares de palavras que os compõem, há um conteúdo orlandiano nesses livros: um bilhete aqui, um traço sublinhando ali, uma pequena notícia de jornal deixada acolá... Mas acima de tudo há essa presença que não deixa pegadas, a começar pela escolha de cada um destes livros. Um dia seus olhos se aninharam com doçura sobre estas lombadas numa livraria, depois desdobraram fibra a fibra o coração das idéias. Orlando tinha uma convivência física com os livros, amava o cheiro, a textura, o formato, o som do papel. Ainda escrevia a lápis para poder sentir o toque do grafite deslizando sobre a folha feito quilha a desbravar os mares da fantasia. Seus textos eram os únicos que chegavam na redáção em caracteres irregulares de uma velha máquina de escrever.

Era uma estranha e perfeita simetria de pomerano e luso, conjugando um coração farto e sentimental com rígidos quereres. Um homem simples e complexo. Cultivava as próprias couves e ligava lá no jornal: “ô, Joel, venha com a Wilka comer um caldo verde preparado com as couves do meu quintal”. E punha um sabor, uma alegria, uma incontida felicidade ao depor estas palavras sumarentas. Íamos. Também o Melatti, o Ruiz e o Karl. Frio de maio, vinho de colônia e couves do quintal. E, claro, livros, livros e livros, os mesmos que me olham agora numa orfandade que a minha mão afaga mas não mitiga.

Joel Gehlen

0 comentários:

Postar um comentário

Compartilhe