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terça-feira, 11 de maio de 2010

Felicitações de maio

Passei a primeira infância na casa velha de madeira. A casa que rangia a cada passo, que mordia a curiosidade nas noites de lua, nos dias de sol, nas dardes vazias. Casa que dançava às tempestades e que abria-se à brisa do alto verão fazendo seu cortinado passear por entre os cômodos. Casa densamente habitada por tantos irmãos filhos de Aldino e Maria. Casa coração de mãe em que a cada ano cabia mais um irmão. Casa velha, sem cor, lavada pela chuva e secada pelo sol. Solitária chaminé nas franjas da densa mata. Casa em madeira, sem vidro, tijolo, nem telha. Casa de pilares grossos, doze cepos de lenho, imensamente maiores que o espaço que meus braços podiam abraçar. Ali, no porão, a terra dura, estorricada, jamais visitada pelas chuvas. Ali as galinhas, ali os gatos, ali os cães, ali o eu menino. Ali o menino brinca sozinho nas azas da imaginação. Ali refúgio do menino para chorar uma mágoa passageira com a testa de encosto ao pilar. Ali horas e horas nos dias de chuva, espiando a água cair, rolar pelo chão, formar enxurrada, encontrar outras águas, formar ribeirão. Ali acudir-se em fugas de castigos, de puxões de orelha, de chineladas. Ali refugiar-se de visitas. Ali bicho do mato: ninguém me pega, ninguém me vê. Ali o medo de escuro em noites de lobisomem. Ah, casa velha da mais funda infância, tão solar, arejada, aconchegante e tão profundamente misteriosa. Ali as febres mais medonhas, o avizinhar-se com a morte, as tardes solitárias, febris, febris, febris. Todos iam para roça, os que trabalhavam, os que inda brincavam à sobra de grandes árvores, o neném – sempre havia um – dormindo no cesto de milho à mesma sombra preferida por cobras cascavéis e urutus e aranhas. Era preciso estar atento. O menino com febre ficava em casa, nada doía, mas aquele frio com calor botava um medo na gente. Um medo ruim de estar sozinho. Um medo de dormir e sonhar com o fim do mundo. Sempre o mesmo sonho, o mesmo fim. O calor, a febre, o calafrio e o tempo escoando lento feito maré, lentamente inexorável o tempo avança. A casa velha range como um navio fantasma, singra na brisa que eleva a cortina branca de filó, a cortina de fitas multicoloridas e sobe na cama de colchão de palha em que o menino sua só, em solidão de náufrago. Então um galo, encorajado de abandono adentra a porta da cozinha, atravessa a primeira cortina, avança lento na réstia de sol. Mais velho que eu, o galo é da família. Estou salvo. Infinita casa minha da infância, que me habita, e que giro a chave na porta a cada 11 de maio.

Joel Gehlen

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